Agosto 2023
Ciência Na Frente
Do Infinitamente Pequeno ao Infinitamente Grande
Agosto de 2023
Terão sido vários os ancestrais das células eucarióticas?
Formado há pouco mais de 4,5 mil milhões de anos, o nosso planeta viu rapidamente surgir a vida. No entanto, pouco sabemos sobre esse aparecimento e o que aconteceu nos primeiros mil milhões de anos depois, quando surgiram os principais domínios da vida. Entre os acontecimentos ainda mais misteriosos, está o advento dos eucariotas, as células com compartimentos internos bem definidos, ou organelos, que existem apenas nos animais, plantas, fungos e em certos micróbios, como os protistas. Como os primeiros eucariotas não deixaram fósseis claros, como podemos perceber como eles eram? Para responder a esta questão temos de comparar os detalhes estruturais e moleculares dos seus descendentes atuais, dos quais os seres humanos são um, e deduzir a sua história evolutiva.
Por sorte, este é um momento particularmente bom para este tipo de pesquisa, já que beneficiamos das modernas tecnologias de sequenciação genética. É de facto possível ler os genomas completos de várias formas de vida e, ao fazê-lo, descobrir cada vez mais detalhes, e até mesmo novas espécies ou mesmo novos grupos taxonómicos. Esta quantidade de informações ajuda a perceber as linhagens dos organismos ao longo do tempo. Como diz Michelle Léger, do Instituto de Biologia Evolutiva de Barcelona, Espanha, "estamos a abordar o problema de vários ângulos. Isso permite-nos aproximarmo-nos dos primeiros eucariontes."
E as surpresas estão à nossa espera, já que esses primeiros eucariontes, recentemente esboçados, não se parecem em nada com o retrato robô desenhado até agora pela maioria dos cientistas. Prova disso, uma equipa de investigadores mostrou que um evento característico da evolução dos eucariotas (o desenvolvimento das mitocôndrias) não seguiu o cenário que imaginávamos. Mais surpreendentemente, outros cientistas sugeriram que o primeiro "ancestral" de todos os eucariontes pode não ter sido uma única célula, mas sim uma população heterogénea de células que voluntariamente trocaram ADN. A diferença é subtil, mas ela é crucial para perceber a evolução e a diversidade dos eucariontes atuais.
As primeiras formas de vida eram células procarióticas (sem núcleo ou organelo), mas nem todas eram iguais. Muito cedo, duas linhagens destacaram-se: as bactérias e as arqueias, estas últimas provavelmente foram as primeiras, a sua resistência aos ambientes extremos, muito quentes ou hipersalgados, apoiam esta ideia. De acordo com outra hipótese, no início, as arqueias e as bactérias separaram-se das primeiras células ao mesmo tempo, para começarem a diversificar-se independentemente. Provavelmente nunca se saberá ao certo quando e como a bifurcação ocorreu, dada a sua antiguidade, a ausência de fósseis e as muitas trocas horizontais de transferência de genes entre os dois ramos (em oposição à transferência de genes "vertical", ou seja, ao longo de gerações).
O que sabemos, no entanto, é que a história dos eucariontes começou quando uma arqueia iconoclasta se separou das outras para fundar o que há muito é considerado um novo reino da vida. "Somos, antes de tudo, um tipo muito estranho de arqueia", diz Maureen O'Malley, da Universidade de Sydney.
Bem vindo ao Reino de Asgard
Seria difícil distinguir este "primeiro ancestral comum eucariótico" (identificado por FECA para First Eukaryotic Commom Ancestor) de outras células, porque ainda não tinha um núcleo ou mitocôndrias para fornecer energia facilmente utilizável. Na verdade, ninguém sabe realmente como os eucariontes passaram a possuir o que os caracteriza. Mas em 2019, Anja Spang e Thijs Ettema, da Universidade de Uppsala, na Suécia, e os seus colegas, propuseram um novo cenário sobre uma dessas etapas, o desenvolvimento mitocondrial. Desde há décadas que se sabia que estes organelos eram bactérias que se tornaram simbiontes internos (endossimbiontes) das células arqueanas, mas os detalhes dessa internalização permaneciam obscuros. Para ter uma imagem mais clara, a equipa estudou as capacidades metabólicas da arqueia de Asgard, um grupo descoberto em 2015 nos sedimentos de uma fonte hidrotermal entre a Gronelândia e a Noruega, o "castelo de Loki", e reputado como o mais próximo dos eucariotas. A conclusão é clara: as mitocôndrias nasceram muito provavelmente de uma parceria entre as arqueas e uma família de bactérias (alphaproteobactéria). Especificamente, as arqueias viviam consumindo certas moléculas orgânicas circundantes, como ácidos gordos e, ao fazê-lo, libertavam hidrogénio, elétrons e outros produtos, "resíduos" que as bactérias, por sua vez, usavam. Uma simbiose teria assim sido estabelecida e, por coevolução, ter-se-ia tornado uma endossimbiose. Este modelo é chamado de "fluxo reverso" porque, no que prevalecia antes, eram as bactérias que forneciam o hidrogénio para o metabolismo das arqueias.
"Tais associações podem ter sido mais favoráveis para o crescimento de algumas arqueias em pequenos substratos orgânicos", explicam Anja Spang e Thijs Ettema. Por exemplo, algumas arqueias modernas que vivem sem oxigénio e metabolizam hidrocarbonetos dependem de bactérias para aceitar os elétrons produzidos pelo metabolismo.
Com o decorrer do tempo, as transferências horizontais de genes de outras bactérias teriam fornecido mais maquinaria para os processos metabólicos realizados pelas mitocôndrias, como hoje as conhecemos. Assim, as transferências genéticas entre as arqueias hospedeiras e seus simbiontes bacterianos, bem como a perda de alguns genes supérfluos de ambos os lados, teriam cimentado a associação, tornando-a irreversível, num estado eucariótico unificado permanente. O envolvimento de mais de dois organismos é outra diferença em relação ao modelo antigo.
Se esta teoria explica a origem das mitocôndrias, ela não diz nada sobre a de outros organitos importantes, a começar pelo núcleo. "Ainda não se sabe se apareceu antes ou depois da endossimbiose mitocondrial", admitem Anja Spang e Thijs Ettema. Acrescentaram que a adoção prévia por arqueias antigas de certas características eucarióticas, antes da simbiose com as alfaproteobactérias, teria facilitado a transição. Em 2023, uma equipa liderada por Christa Schleper, da Universidade de Viena, na Áustria, deu um passo nessa direção ao descobrir filamentos nas células de Lokiarchaeum ossiferum, uma espécie de arquea Asgard, cuja estrutura helicoidal é muito semelhante à das fibras de actina eucarióticas. Graças a esses filamentos, a membrana das arqueias foi capaz de se deformar para envolver outros organismos, provavelmente um trunfo para adquirir novas funcionalidades.
Da FECA à LECA
A génese dos eucariontes continua misteriosa, porque todos os seres vivos de hoje descendem de um organismo já complexo. De uma forma ou de outra, ao longo de um número desconhecido de milénios, a FECA transformou-se no último ancestral comum eucariótico, ou LECA (para Last Eukaryotic Commom Ancestor), o ancestral de todos os eucariotas, vivos ou extintos, conhecidos ou desconhecidos. O LECA é mais fácil de imaginar, pois provavelmente assemelhava-se a alguns dos eucariotas microbianos de hoje. Na verdade, "tudo aquilo que tem um núcleo também tem mitocôndrias, um aparelho de Golgi e todas os outros organelos", diz Ford Doolittle, da Universidade Dalhousie, na Nova Escócia.
Mas como se parece muito com as nossas células, o LECA é pouco interessante. Contudo, isso é um erro, de acordo com Maureen O'Malley, porque imaginamos como uma única célula, o ancestral com A maiúsculo: "Mas é óbvio que o LECA não era uma única célula", contesta a investigadora. Essa visão errónea resultaria de uma representação simplista da genealogia, de uma confusão entre ascendente e ancestral.
Num ensaio de 2019, Maureen O'Malley e os seus colegas discutiram a ideia de que o LECA não era uma única célula, mas várias, geneticamente heterogéneas, nenhuma das quais tinha todas as características associadas aos eucariotas de hoje e que teriam trocado genes entre eles. "Quando falamos em LECA, provavelmente estamos a falar de um estado ancestral, um estado genómico que não sabemos se corresponde a uma única célula", explica a investigadora.
"O nosso desejo era suscitar uma conversa entre as pessoas envolvidas neste assunto, para que pudessem refletir de como conceber o LECA", diz Michelle Léger, coautora do artigo. De acordo com os signatários, para realmente entender o LECA e as suas características genómicas – e obter uma imagem mais completa do que são todos os eucariontes – temos de entender como seria essa eventual e antiga população.
Muitos é melhor do que sozinho
Bill Wickstead, da Universidade de Nottingham, e os seus colegas, estão entre os que fizeram isso na tentativa de construir um proteoma, isto é, a coleção completa das proteínas que o LECA provavelmente foi capaz de fabricar, para compreender as suas capacidades biológicas. Para o fazer, a partir dos genomas e proteomas de várias linhagens eucarióticas, utilizaram estatísticas para determinar que traços são mais prováveis de terem estado presentes no seu ancestral comum, e quais surgiram como inovações evolutivas independentes ou foram transmitidas horizontalmente entre linhagens. Este tipo de biologia molecular seria a melhor esperança de revelar o LECA.
Note-se que, segundo este biólogo, na abordagem que defende, não importa se o proteoma ancestral e o genoma daí inferido foram encontrados numa ou mais células, porque a extrapolação estatística dos dados genómicos não se preocupa com a divisão celular. No entanto, a questão continua essencial para compreender como é que esse genoma foi utilizado. "Na verdade, é a diferença entre a genética e a biologia celular", diz Wickstead. Acrescentou que é apropriado "perguntar se todos esses elementos podem existir dentro de uma célula individual".
Michelle Léger confirma: "Quando tentamos reconstruir as características essenciais do LECA a partir daquelas que são comumente compartilhadas por muitos eucariotas atuais, deparamo-nos com uma célula com um genoma incrivelmente grande e codificando muitas proteínas".
Um problema semelhante surge com um organismo mais familiar, a bactéria Escherichia coli, da qual muitas cepas genéticas são conhecidas. Comparar os genomas de várias delas revela que elas têm genes diferentes: não apenas variantes genéticas, mas famílias inteiras de genes que estão presentes ou ausentes dependendo da linhagem. O genoma de cada bactéria tem de 4.200 a 5.600 genes. Cerca de 2.200 a 3.100 destes são encontrados em todas as bactérias E. coli. O restante vem de um conjunto de pelo menos 89 mil possíveis genes "acessórios". Embora não sejam essenciais, eles afetam a sobrevivência de várias maneiras e explicam por que é que algumas cepas são virulentas ou outras inofensivas, ou como umas toleram certos habitats ou outras fontes de alimento.
O Pangenoma
Os genes acessórios são transmissíveis horizontalmente de uma cepa para outra. Portanto, compreender todas as capacidades da E. coli como organismo, requer uma imagem abrangente das possíveis variações genómicas da espécie, ou o que os investigadores chamam de "pangenoma". Eles criaram este conceito no início dos anos 2000, quando perceberam que as sequências genómicas das bactérias patogénicas (as bases de dados digitais compilados como descrições padronizadas dos seus genomas) não davam conta de toda a variação genética desses organismos.
Desde então, também perceberam que os pangenomas desempenham um papel importante na vida dos procariontes. Mas como a partilha de genes por transfer horizontal é muito menos comum nos eucariontes, os pangenomas têm sido considerados de interesse limitado na compreensão de espécies eucarióticas. No entanto, a situação está a mudar.
Por exemplo, uma análise dos genomas de quatro espécies de fungos patogénicos revelou que eles também possuíam pangenomas: 10 a 20% do seu genoma é composto por genes acessórios responsáveis por características importantes, como a resistência a fungicidas.
Até a nossa espécie tem um pangenoma. "Quando o genoma humano foi sequenciado pela primeira vez, em 2000, isto foi visto como um evento fantástico. Pensávamos que tínhamos o esquema para todos os humanos, mas obviamente que não era o caso", diz Bill Wickstead. Em apoio desta descoberta, os trabalhos mostraram que quase 10% dos genes de 910 pessoas de ascendência africana não estão no genoma humano de referência. O conteúdo em falta de genes, em genomas individuais, faz parte da diversidade dos seres humanos e explica as diferenças na resposta aos medicamentos, ao ambiente... Para preencher essas lacunas, uma equipa internacional publicou um rascunho do pangenoma humano em 2023.
Já que os eucariontes e os procariontes de hoje têm pangenomas, por que é que os primeiros eucariontes não o teriam? O "genoma" que Bill Wickstead e outros estão a tentar reconstruir para perceberam com que se pareceria o LECA é provavelmente esse pangenoma.
J. Peter Gogarten, da Universidade de Connecticut, considera tudo isto lógico. Para ele, o artigo de Maureen O'Malley, Michelle Léger e seus coautores, cristaliza a ideia de que "para entender a origem dos eucariontes, devemos ir para além da reconstrução da árvore celular e concentrarmo-nos na rede que descreve a história da evolução do genoma". Aos seus olhos, considerar o LECA não como uma única célula, mas como uma população de células diferentes, seria útil para ir ainda mais longe na história da evolução, até aos misteriosos primeiros eucariotas.
Todavia, mesmo que o biólogo adira à ideia de um LECA na forma de uma população de células, este estabelece alguns limites para essa hipótese. Segundo ele, provavelmente não existiria inicialmente uma grande população com um pangenoma grande e diversificado, mesmo que a situação possa ter sido diferente antes, durante a transição entre o FECA para o LECA. Quando se consolidou, as coisas estabilizaram-se.
Anthony Poole, da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, compartilha dessas ressalvas e acredita que poucas das características consideradas essenciais para o LECA, pela maioria dos especialistas, são consistentes com uma explicação genómica ampla. Talvez mude de ideias à medida que os cientistas obtiverem uma melhor compreensão da diversidade de comportamentos dessas células primitivas e dos seus ambientes. É em parte por esta razão, que Michelle Léger acha que vale a pena perguntar se o LECA pode ter tido um pangenoma grande e diversificado. Aspectos essenciais do metabolismo, como a capacidade de metabolizar certos açúcares, talvez estivessem distribuídos, permitindo que o "organismo" pudesse colonizar, com vantagem, mais ambientes do que outros micróbios.
Esta seria a chave para a rápida diversificação dos eucariotas. Uma população diversificada do LECA, distribuída por muitos ambientes distintos, teria dado origem a muitas subpopulações semi-isoladas, passíveis de se cruzarem. Um tal cenário promove a diversificação, como se vê hoje em dia quando as espécies colonizam ilhas.
No entanto, o facto de os pangenomas dos eucariotas atuais serem pequenos, por comparação com os dos procariontes, levanta dúvidas de que o do LECA fosse maior do que o nosso, por exemplo. "Estou de acordo que as espécies têm pangenomas, que o LECA era uma espécie e que tinha um pangenoma", diz W. Ford Doolittle. "Mas não vejo nenhuma razão para supor que o LECA fosse uma espécie diferente das outras espécies na árvore da vida. Ele é apenas o nó mais profundo."
Pessoas em primeiro lugar
Apesar do debate sobre a extensão do pangenoma do LECA, numerosos são aqueles que o veem como uma população de células, embora nem todos estejam de acordo. Alguns cientistas continuam a especular que o LECA era uma única célula, que se dividiu, dividiu-se uma e outra vez, eventualmente dando origem a todas as células eucarióticas.
No entanto, Maureen O'Malley continua convencida de que só considerando o LECA como uma população, podemos realmente entender como ele surgiu e levou à diversidade dos eucariotas. Além disso, "as populações são a base de todo o raciocínio evolutivo", recorda, e, de facto, por definição, a evolução e a seleção natural atuam ao nível populacional. Ao pensar assim quando reconstruímos a história dos eucariontes, e particularmente do LECA, afeta a maneira como raciocinamos sobre o ambiente e os genes.
Porque, no fim de contas, o organismo que existia na época, provavelmente não era composto apenas pelas características observadas nos eucariotes de hoje. "Não tenho a certeza de que possamos entender a evolução focando-nos apenas naquilo que é conservado", argumenta a investigadora. "Devemos compreender o estágio da população para entender por que é que algumas coisas se perderam pelo caminho."
Na ausência de um fóssil ou de um bocado de ADN, mesmo os melhores métodos genómicos terão dificuldades para recuar no tempo, para revelar como seria realmente o LECA e o seu genoma. Mas ainda vale a pena refletirmos, já que o LECA é "a matéria-prima a partir da qual a diversidade dos eucariontes surgiu", insiste Bill Wickstead. E, finalmente, de acordo com Michelle Léger, o simples facto de fazer este tipo de pergunta revela as lacunas na nossa compreensão dos eucariontes que vivem atualmente: "Ainda temos muito a aprender sobre eles!"
Fonte: Sítio da Pour la Science - julho 2023
Christie Wilcox
(adaptado)
Como nasceu o Sol
Durante as poucas centenas de milénios que a precederam, a nebulosa solar, um mero grumo dentro de uma gigantesca nuvem molecular, começou a colapsar sob seu próprio peso. Com um impulso essencial, como mostra a observação, por exemplo, da Nebulosa de Orion: a formação de estrelas gigantes - que explodem em supernovas muito rapidamente - desestabilizam certas regiões mais ou menos densas da sua vizinhança, colapsando por sua vez, para dar origem, em cascata, a outras estrelas. Os sóis nascem em ninhadas de alguns milhares de corpos celestes de todos os tamanhos, formando os chamados aglomerados abertos.
Inicialmente lento, o colapso da nebulosa solar foi dispersado, dividindo o seu diâmetro por 500.000! Assim tão concentrado, o material original não apenas aqueceu para formar uma protoestrela brilhante, mas também girou rapidamente sob o efeito de conservação do momento angular – aquele que permite aos patinadores artísticos girarem cada vez mais rápido colocando os seus braços ao longo do corpo. Como resultado dessa rotação, cerca de dois por cento da nebulosa organizou-se num disco relativamente espesso. Durante cem mil anos, o material desse disco, chamado "protoplanetário" continuou a rodar sobre o protosol, até que foi empurrado para fora, há 4,6 mil milhões de anos.
Uma bola de plasma cujo brilho é alimentado apenas pela gravidade
Nesta fase, o Sol, rapidamente acompanhado por dois grandes planetas gasosos formados dentro do disco protoplanetário - Júpiter e Saturno - é uma estrela chamada de T-Tauri, cujo brilho é alimentado apenas pela gravidade: uma bola de plasma que se contrai, mantendo assim a sua temperatura constante, apesar da energia térmica que perde ao irradiá-la para o espaço. Durante mais de dez milhões de anos, o seu diâmetro diminuirá ainda mais. Até que, perto do seu centro, uma região atingiu uma densidade suficiente para reter, de forma duradoura, a luz emitida pelo gás em combustão: trata-se da "zona radiativa", da qual os fotões, constantemente absorvidos e reemitidos pelos átomos que obstruem a passagem, levam atualmente quase 100 mil anos para escapar. Reduzida assim a hemorragia de energia, a contração da estrela é consideravelmente retardada. O Sol ficou agora com o seu tamanho atual e a sua temperatura ia aumentando gradualmente.
Cinquenta milhões de anos depois, o disco protoplanetário estava globalmente limpo, o gás foi disperso, deixando aos planetas Urano e Neptuno apenas o tempo suficiente para atingirem os tamanhos significativamente menores do que os seus irmãos mais velhos. Mais perto do Sol, o que resta do material sólido começa a aglutinar-se em quatro pequenos planetas rochosos: Mercúrio, Vénus, Terra e Marte. É também nessa época que termina a dispersão do aglomerado formado pelo Sol e pelas suas irmãs.
A nossa estrela começa a derivar sozinha na Via Láctea, assim que entra na sua fase adulta: no seu centro, a densidade e a temperatura atingiram valores suficientes para que os núcleos de átomos de hidrogénio - protões carregados positivamente - superem a sua repulsão eletrostática e se fundam sucessivamente em núcleos de deutério, e a seguir de hélio. Estas reações libertam quantidades colossais de energia que compensam exatamente aquela que a estrela emite para o espaço. A pressão interna do corpo celeste finalmente equilibra o seu peso e a sua contração pára. Depois de uma infância extraordinariamente turbulenta, o Sol entra no que é conhecido como a sua "sequência principal", durante a qual será pacificamente alimentado pela fusão de hidrogénio.
A evaporação dos oceanos terrestres
Atualmente, no seu núcleo ativo, 620 milhões de toneladas de hidrogénio são transformadas a cada segundo em 616 milhões de toneladas de hélio. A diferença corresponde à energia libertada, segundo a famosa equação E = mc². Paradoxalmente, em comparação com o volume em que essa fusão ocorre, esses valores são muito baixos: o nosso próprio corpo em repouso irradia cerca de cinco vezes mais energia na forma de calor do que gera um volume equivalente de matéria no núcleo do Sol! Isto porque, obviamente, o núcleo solar, tão grande que poderíamos nele meter 13.000 Terras, representa um número impressionante de vezes o volume do nosso corpo. E se a temperatura permanece tão colossal, é - como dissemos encima - porque a "zona radiativa" à volta do núcleo retém permanentemente a energia aí produzida.
A fusão termonuclear é, como podemos ver, um processo muito lento, e é por isso que, passados cerca de quatro mil milhões de anos, a nossa estrela ainda não está na metade da sua sequência principal. No entanto, com o tempo, os núcleos de hélio ir-se-ão acumulando no centro do Sol e prejudicarão, por assim dizer, o bom funcionamento da caldeira solar. Lentamente, a região onde a energia é produzida contrair-se-á e aquecerá para manter a taxa de fusão de hidrogénio necessária para o equilíbrio da estrela. Como resultado, a luminosidade do Sol aumenta cerca de 10% em cada mil milhões de anos. Em pouco mais de mil milhões de anos, a nossa estrela estará tão quente que os oceanos da Terra evaporar-se-ão. Mas o Sol ainda terá quatro mil milhões de anos para passar na sequência principal.
Momento final em duas etapas
Inevitavelmente, no entanto, o seu núcleo acabará saturado de hélio e, privado de energia de fusão, começará a contrair-se sob o seu próprio peso. O colapso do núcleo fornecerá energia suficiente para as suas camadas superiores para dar à estrela um buquê final espetacular, em dois momentos. Primeiro, depois de algumas centenas de milhões de anos, a temperatura atingirá um nível suficiente para causar a fusão das reservas de hidrogénio, anteriormente intactas, em regiões cada vez maiores fora do núcleo. O Sol irá inchar para se tornar uma gigante vermelha: uma bola de plasma com 3.000 graus, ultrapassando a órbita atual da Terra... até que quase metade da sua massa seja transformada em hélio e, novamente, a fusão pára. O núcleo então entrará em colapso, atingindo as centenas de milhões de graus necessários para que o hélio se funda em carbono. Alimentada por essa nova fonte de energia, a estrela, que voltou a ter um diâmetro dez vezes maior do que o atual, começará uma breve segunda vida de apenas 100 milhões de anos. Irá começar a inchar de novo... A fusão do hidrogénio começará novamente nas suas camadas superiores, até que ventos estelares titânicos as expulsem para o espaço.
Doze mil milhões de anos após o seu nascimento, tudo o que restará do Sol é uma escória ardente de carbono e hélio, com uma densidade de cerca de uma tonelada por centímetro cúbico: uma "anã branca". Quanto à outra metade, irá enriquecer com hélio e sobretudo com carbono o meio interestelar onde continuarão a nascer novas estrelas. Que façam bom uso dela...
Fonte: Science et Avenir, n.º 214 - julho/setembro 2023
René Cuillierier
(adaptado)
O que posso observar no céu de agosto?
02 - Lua no perigeu a 357 240 Km da Terra - 06:52
08 - Pico da chuva de meteoros das Eridanidas
10 - Marte a 1ºS de Regulus - 06:18
13 - Pico da chuva de meteoros das Perseidas
16 - Lua no apogeu a 400 786 Km da Terra - 12:55
21 - Lua a 2ºN de Marte - 02:17
25 - Pico da chuva de meteoros das Cancrids diurnas
25 - Lua a 1ºN de Antares - 02:30
25 - Lua oculta Antares - 04:29
30 - Lua no perigeu a 361 074 Km da Terra - 16:51
30 - Pico da chuva de meteoros das alfa-Capricornídeos e das delta-Aquáridas do Sul
Fases da Lua em agosto
16 - às 10h 38 min - nova
24 - às 10h 57min - crescente
24 - às 10h 57min - crescente
01 - às 19h 30min - cheia
31 - às 02h 35min - cheia
08 - às 11h 28min - minguante
Planetas visíveis a olho nu em agosto
MERCÚRIO - Pode ser visto no início do crepúsculo matutino, no início do dia, de 1 a 11 de agosto.
VÉNUS - Pode ser visto de madrugada, a partir do dia 24 de agosto, depois das cinco da manhã . É um dos astros mais brilhantes do céu noturno.
MARTE - Pode ser visto até às 22:08 no início do mês, indo desaparecendo cada vez mais cedo até ao fim do mês. Reconhece-se pela sua cor avermelhada.
JÚPITER - Pode ser visto toda a noite durante este mês, a partir da meia-noite, indo gradualmente nascendo mais cedo. Deixa de estar visível entre 14 e 28 de agosto, para reaparecer por volta das 22:58 do dia 29.
SATURNO - Pode ser visto a partir das 22 horas, durante toda a noite, indo nascendo gradualmente mais cedo até ao fim deste mês.
Fonte: APP Sky Tonight
Como usar esta grelha:
Coluna Data - data da passagem da Estação;
Coluna Brilho/Luminosidade (magnitude) - Luminosidade da Estação (quanto mais negativo for o número maior é o brilho);
Coluna Hora - hora de início, do ponto mais alto e do fim da passagem;
Coluna Altitude - altitude medida em graus tendo o horizonte como ponto de partida 0º;
Coluna Azimute - a direção da Estação tendo o Norte geográfico como ponto de partida.
Coluna Azimute - a direção da Estação tendo o Norte geográfico como ponto de partida.
Fonte: http://www.heavens-above.com/
Vídeo do Mês
O que existe dentro do Sol
(Quando necessário, para ativar as legendas automáticas proceder do seguinte modo: no canto inferior direito clicar no símbolo "roda dentada"; abrem-se as Definições; clicar aí e escolher Legendas; depois clicar em Traduzir Automaticamente; finalmente escolher Português na lista.)
Imagem do Mês
A Nebulosa da Águia com estrelas quentes em raios-X
Como se parecem os famosos pilares estelares da Nebulosa da Águia em raios-X? Para o descobrir, o Observatório de Raios-X Chandra, da NASA, que se encontra em órbita, perscrutou essas montanhas interestelares de formação de estrelas. Verificou-se que na M16 os próprios pilares de poeira não emitem muitos raios-X, mas tornaram-se evidentes muitas fontes de raios-X mais pequenas e mais brilhantes. Estas fontes são mostradas como pontos brilhantes nesta imagem, que é um composto de exposições do Chandra (raios-X), XMM (raios-X), JWST (infravermelho), Spitzer (infravermelho), Hubble (visível) e VLT (visível). Que tipo de estrelas produzem estes raios-X, continua a ser um assunto de investigação, mas são levantadas algumas hipóteses como: estrelas quentes, recém-formadas e de baixa massa, ou estrelas quentes, mais antigas e de alta massa. Estas estrelas quentes de raios-X estão espalhadas à volta da imagem - os glóbulos gasosos evaporativos (EGGS), previamente identificados, e vistos na luz visível, não são atualmente suficientemente quentes para emitir raios-X.
Fonte: www.nasa.gov
Livro do Mês
Sinopse
O descanso não é sono, nem imobilidade, nem uma solução para a fadiga - mas um momento em que o ser humano se reconstrói, caminha, esquece, encontra um lugar apenas seu.
Durante muito tempo o repouso foi relegado para a «vida eterna», depois da morte e de um destino obediente e conformado. Mas tudo mudou com o século XIX, tornando-se também uma necessidade terapêutica - e um convite ao lazer, com a sua indústria organizada e lucrativa.
Nos dias de hoje, o tempo de lazer ocupa o tempo livre, invade o espaço humano, cria novas formas de dependência e de cumprimento de horários. Erradamente, não falamos mais de descanso, mas de momentos de relaxamento, diversão e evasão, o que equivale a substituir a fadiga por mais tensão, mais tarefas, mais disciplina e mais consumo.
Alain Corbin, um dos investigadores mais originais de hoje (publicou livros sobre a história do silêncio, da erva fresca, da sombra, da ignorância, dos sinos ou da relação com o mar e o céu), convida-nos a refletir sobre a nossa relação com o trabalho, com a fadiga e com o tempo que temos disponível para viver.
Sobre o autor:
Alain Corbain nasceu na Normandia em 1936 e foi professor das Universidade de Tours e da Sorbonne, em Paris tendo-se dedicado especialmente ao século XIX. É um dos grandes mestres da «história das representações e das sensibilidades» e as suas obras mais conhecidas dedicam-se ao estudo do desejo, da paisagem, do silêncio (Histoire du silence: de la Renaissance à nos jours), da ignorância (Terra incognita: une histoire de l'ignorance), da relação com o mar e o céu (La Mer: terreur et fascination) ou da paixão pelo vento e pela meteorologia.
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