Abril 2021

 
















Ciência Na Frente

Do Infinitamente Pequeno ao Infinitamente Grande

Abril de 2021











A exopaleontologia ou a busca de organismos fósseis no Universo

Num planeta longínquo, os vestígios de uma vida microbiana pode organizar-se em «exo-estromatólitos» 

     A idade «astronómica» do Universo (13,5 mil milhões de anos), a profusão de espécies e o seu rápido sucesso na Terra, a sua fácil fossilização... Todos estes indícios levam-nos a pensar que a vida pode também ter existido fora do nosso planeta e que será possível encontrá-la em vestígios fósseis. É a isto que se dedica a exopaleontologia, uma disciplina em crescimento, em que os seus especialistas estão estão a partir de agora ligados aos programas das futuras missões espaciais.
     «Neste Universo desmesurado, afirmar que não há vida para além da Terra, seria como mergulhar um copo no oceano e concluir que este não tem peixes?» Estas palavras do biólogo Franck Courchamp resumem bem o estado de espírito atual quanto à investigação de possíveis formas de vida extraterrestre: esta possibilidade afasta-se cada vez mais da ficção-científica.
     Os paleontólogos sabem bem que a fossilização, algo comum em numerosos ecossistemas, é um fenómeno instantâneo à escala do tempo geológico e por vezes humano. Assim, algumas horas são suficientes para petrificar um cadáver em águas saturadas por sais minerais. Tendo em conta a rápida sucessão de espécies no decurso do tempo e na sua relativa facilidade de fossilização, o vasto «Universo-oceano», referido por Franck Courchamp, poderá assim esconder numerosos peixes... e transbordar de fósseis. Com efeito, se uma forma de vida existir algures no Universo, porque é que terá de ser síncrona com a nossa? Tal como nós, Sapiens, chegámos apenas há 300 000 anos. Um piscar de olhos.
     É aqui que entra em jogo a exopaleontologia, a procura da vida extraterrestre fossilizada, uma disciplina em expansão. Ainda não se trata de enviar paleontólogos para Marte, mas de equipar os veículos robóticos com os instrumentos adequados. Contudo, como reconhecer uma forma de vida extraterrestre fóssil? Em primeiro lugar devemos olhar para o que se passa na Terra. Um fóssil, um resto ou traço antigo de um organismo desaparecido, é caracterizado pela sua forma, pela sua composição e o meio no qual foi descoberto. Estes três critérios são necessários para a sua identificação. As partes endurecidas (esqueleto, dentes, estrutura lenhosa) fossilizam-se mais facilmente do que os tecidos lábeis (tubo digestivo, tecido muscular ou dérmico), que podem, por vezes, se o meio o permitir, mineralizarem-se. Neste casos falamos de conservações excecionais (é o caso de pequenos anfíbios com cerce de 300 milhões de anos, descobertos numa antiga mina de carvão, ou de mamíferos com pelo com cerca de 7 milhões de anos e preservados num diatomito - rocha constituída por micro-algas siliciosas). Com o decorrer do tempo, a matéria orgânica é substituída pela matéria mineral, o que preserva as estruturas biológicas à escala microscópica. A fossilização depende das condições físico-químicas do meio e, por extensão, dos exoplanetas a serem estudados, e que podem variar no decurso da sua história. Este processo necessita por vezes de um solvente (como a água) e uma matriz plástica (hidrocarbonetos, resina, gelo) ou móvel (areia, rególito) que envolve o organismo e o fixa. Estes elementos fazem-nos pensar que os gelos de Europa e Encelado, luas de Júpiter e Saturno, poderão ser agentes propícios à fossilização. Esta hipótese abre perspectivas interessantes em matéria de projetos de investigação.
     Mais próximo de nós, o planeta Marte, obviamente que atrai a atenção dos exopaleontólogos já que foi há 4 mil milhões de anos recoberto de água líquida - esta água está ainda localmente em estado sólido. Um dos objetivos dos programas americanos Marte 2020 e europeu ExoMarte 2022 é detetar, neste planeta, traços de vida. O veículo robótico do ExoMarte 2022 irá perfurar o solo até dois metros de profundidade, contra os 6 centímetros do veículo robótico Marte 2020, e irá recolher amostras, o menos alteradas possível, pela oxidação ou pelas radiações de superfície. As cápsulas das amostras serão queimadas no local para serem analisadas por espetrómetros e um cromatógrafo que viajarem até lá na missão referida, com o objetivo de detetar moléculas orgânicas muito bem definidas.
     Estas investigações constituem um primeiro passo, mas a composição de um eventual fóssil marciano poderá ser muito diferente daquela que conhecemos na Terra. A própria diversidade dos processos de fossilização no nosso planeta, torna difícil a identificação de paleomarcadores associados. A presença de esteranos (produtos do metabolismo) e de pirite (mineral formado por dissulfeto de ferro) foi realçado para evidenciar estranhos fósseis de eucariotas muito antigos (com cerca de 2,1 mil milhões de anos) descobertos no Gabão, há dez anos atrás. Mas é necessário cruzar estes indícios com outros (saídos da análise isotópica do enxofre e, nomeadamente, da microtomografia de raios X) para atestar a sua origem biológica. Como se ignoram os processos de fossilização em Marte, a identificação de paleobiomarcadores poderá ser ainda mais difícil.
     A atenção dos investigadores está também voltada para a morfologia dos objetos a encontrar: o veículo robótico ExoMarte 2022 está equipado com uma poderosa câmara que atua como uma lupa de geólogo. Como este veículo está equipado com uma broca, também se o equipou com uma minicâmara telescópica, com uma focal muito curta, na esperança de detetar biofilmes (ou «véus bacterianos)» fósseis e outras estruturas estromatólitas (estruturas fossilizadas formadas em meio aquático graças a camadas de micro-organismos - biofilmes). Cada missão espacial é um desafio tecnológico em si e nem toda a instrumentação está disponível no local. 
     O escritor Arthur C. Clarke dizia: «Existem duas possibilidades: ou estamos sozinhos no Universo, ou não estamos. As duas são assustadoras.» Existe uma terceira possibilidade: não estamos sozinhos no Universo, mas as outras formas de vida estão congeladas para a eternidade. Será igualmente assustador?      .                 
                    
Fonte: La Recherche - fevereiro/abril 2021, n.º 564, pp. 34 e 35
Jean-Sébastien Steyer, 
paleontólogo, CNRS, do Museu Nacional de História Natural, em Paris (adaptado)


     

Júpiter, o mestre da água?




       Entre os mais de 4000 astros identificados que giram à volta de uma estrela para além do Sol, será que alguns poderão albergar a vida? É isto que os investigadores querem descobrir. Há várias condições para se realizar esta tarefa: o exoplaneta tem de estar à distância ideal da sua estrela para que a água em estado líquido possa existir, mas também que esta água tenha sido trazida quando da formação do mesmo. A análise da história do Sistema Solar explica como é que isto se desenrolou no nosso cantinho do Universo e o papel chave que desempenhou Júpiter neste processo.
     Com o seu cortejo de planetas - quatro rochosos (Mercúrio, Vénus, Terra e Marte), os que estão mais próximos do Sol e quatro gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno), mais afastados -, o nosso Sistema Solar será comum ou raro no Universo? Da resposta a esta questão dependem as considerações sobre a ubiquidade do vivo, a saber, se poderão existir formas de vida noutros locais fora da Terra. Pela primeira vez na história da astronomia, dispomos de dados que nos permitem responder. A partir de agora, sabemos que quase todas as estrelas possuem planetas a gravitá-las. Por outro lado, sabemos que a configuração do nosso Sistema Solar é mais rara. Como é que se explica este paradoxo?
     Para o compreendermos, imaginemos que somos os habitantes de um astro situado a algumas centenas de anos-luz da Terra e apontamos os nossos instrumentos para o Sol. Com a melhor sensibilidade atual, apenas conseguiríamos detetar Júpiter, o maior dos planetas gasosos no nosso sistema. Na realidade, os exoplanetas revelam-se aos astrónomos através das pequenas oscilações que induzem na estrela à volta da qual eles orbitam: quanto maior for o planeta e mais próximo esteja da sua estrela, mais significativas são essas oscilações. Com os dados que dispomos sobre os sistemas estelares que nos rodeiam - conhecemos atualmente mais de 3000 -, sabemos agora que cerca de 10% das estrelas como o nosso Sol, são também acompanhadas por um planeta gigante semelhante a Júpiter. Contudo, um planeta semelhante a Júpiter e numa órbita idêntica à sua, apenas se encontra em... 1% das estrelas do tipo do Sol. Por outro lado, como apenas 10% das estrelas são deste tipo, chegamos também a um sistema extrasolar em que a frequência é apenas de 1 em cada 1000. Assim, o nosso Sistema Solar não é muito comum!
     Outra particularidade: a presença de Júpiter tem uma ligação com a quantidade de água que a Terra contem. Na realidade, o nosso planeta não é muito rico em água. Ainda que 70% da sua superfície esteja coberta pelos oceanos, ela apenas contem 0,1% de água (em massa), partilhada entre a superfície e o manto. O cenário da formação dos astros do Sistema Solar baseada em simulações e sobre o estudo dos meteoritos e dos cometas, permite explicar este estatuto particular. Sem entrar em detalhes, é necessário saber que Júpiter desempenhou um papel chave no crescimento e acreação rápida do gás do disco, em formação, do Sistema Solar. Isto bloqueou os objetos ricos em água que teriam trazido muito deste precioso líquido, ao fazer com que estes não se despenhassem na nossa proto-Terra. Por outras palavras, sem Júpiter e o seu particular crescimento, a Terra provavelmente teria bem mais água e poderia talvez ter-se tornado num planeta oceano. Assim, na nossa Galáxia, são os sistemas exoplanetários, com uma estrela do tipo solar e um exoplaneta do tipo de Júpiter que, ainda que raros, parecem os mais suscetíveis para possuirem uma exo-Terra. Será que a poderemos detetar diretamente?
     A próxima grande etapa será o satélite europeu Platão, cujo objetivo é precisamente a caracterização de astros do tipo terrestre, situados a distâncias da sua estrela de modo que neles exista água líquida. Estas observações dir-nos-ão se, com os seus oceanos pouco profundos, a Terra é um astro raro ou típico. Ainda nos informarão sobre a origem da nossa água e poderão também dizer-nos se Júpiter verdadeiramente desempenhou o papel principal na arquitetura do nosso Sistema Solar. Encontro a partir de 2026, data prevista para o seu lançamento.                       

Fonte: La Recherche - fevereiro/abril 2021, n.º 564, p. 43
Sean Raymond, 
encarregado da investigação no CNRS, no laboratório de astrofísica de Bordéus (adaptado)



O que posso observar no céu de abril?


7 - Lua a 4ºS de Júpiter - 07:00
14 - Lua no apogeu a 406 120 Km da Terra - 17:46
22 - Pico da chuva de meteoros das Lirídeas
27 - Lua no perigeu a 357 377 Km da Terra - 15:22
27 - Super Lua de abril - 03:32

Céu visível às 06:00 horas do dia 1 de abril mostrando os planetas Júpiter e Saturno.


Céu visível às 21:00 horas do dia 15 de abril mostrando o planeta Marte e as estrelas mais brilhantes: Sírio, Arturo, Capela, Aldebarã, Prócion, Betelgeuse e Rigel.






Fases da Lua em abril


12 - às 02h 31min - nova

20 - às 06h 59min - crescente

27 - 03h 32min - cheia (super Lua)

04 - às 10h 02min - minguante









Planetas visíveis a olho nu em abril 


MERCÚRIO - Será visível, de manhã, por volta do instante do começo do crepúsculo civil, até 10 de abril. Depois, a partir dia 27 de abril, será visível, de tarde, por volta do instante do fim do crepúsculo civil. 

VÉNUS - Neste mês não é visível por se encontrar demasiado próximo do Sol.

MARTE - Pode ser visto de manhã, na constelação de Touro, durante todo este mês e em Gémeos a partir dos finais de abril.

JÚPITER - Pode ser visto  ao amanhecer durante todo este mês na constelação de Capricórnio e passará para a constelação de Gémeos no final de abril.

SATURNO Pode ser visto  ao amanhecer durante todo este mês.


Fonte: Observatório Astronómico de Lisboa 




(para localizações aproximadas de 41.1756ºN, 8.5493ºW)

DataMagnitudeInícioPonto mais altoFimTipo da passagem
(mag)HoraAlt.Az.HoraAlt.Az.HoraAlt.Az.
25-4-1,905:31:4410°S05:34:2624°SE05:37:1410°ENEvisível
26-4-1,304:46:2513°SSE04:47:1414°SE04:49:0910°Evisível
27-4-3,705:33:5818°SO05:36:1873°SE05:39:4110°ENEvisível
28-4-3,004:48:2838°SSE04:48:5941°SE04:52:1110°ENEvisível
29-4-1,504:02:5420°ESE04:02:5420°ESE04:04:3110°ENEvisível
29-4-2,905:35:5115°O05:38:2242°NNO05:41:3710°NEvisível
30-4-3,604:50:1349°O04:50:5666°NNO04:54:1810°NEvisível
1-5-2,604:04:3242°ENE04:04:3242°ENE04:06:5410°ENEvisível
1-5-1,805:37:5410°ONO05:40:3822°NNO05:43:2210°NEvisível

  

  
 
 

  

 
Como usar esta grelha:

Coluna Data - data da passagem da Estação;
Coluna Brilho/Luminosidade (magnitude) - Luminosidade da Estação (quanto mais negativo for o número maior é o brilho);
Coluna Hora - hora de início, do ponto mais alto e do fim da passagem;
Coluna Altitude - altitude medida em graus tendo o horizonte como ponto de partida 0º;
Coluna Azimute - a direção da Estação tendo o Norte geográfico como ponto de partida.

Fonte: http://www.heavens-above.com/



Vídeo do Mês





A vida na Estação Espacial Internacional

(Quando necessário, para ativar as legendas automáticas proceder do seguinte modo: no canto inferior direito clicar no símbolo "roda dentada"; abrem-se as Definições; clicar aí e escolher Legendas; depois clicar em Traduzir Automaticamente; finalmente escolher Português na lista.)



Imagem do Mês




Suitat-1: um fato espacial a voar livremente

        Um fato espacial a afastar-se da Estação Espacial Internacional há 15 anos atrás, mas não se fez qualquer investigação sobre isso. Todos sabiam que este fato foi empurrado pela tripulação da Estação Espacial. Chamado Suitsat-1, ao obsoleto fato espacial russo, cheio de roupas velhas, foi-lhe acoplado um transmissor de rádio e largado para orbitar a Terra. O fato deu duas voltas à Terra antes do seu sinal de rádio ficar inexplicavelmente fraco. Suitsat-1 continuou a orbitar, todos os 90 minutos, durante algumas semanas até ter ardido na reentrada da atmosfera da Terra. Nesta imagem, vê-se o fato espacial, que foi fotografado em 2006, quando se afastava da estação espacial.    
Fonte: www.nasa.gov

Livro do Mês

     A partir deste ano vamos iniciar uma nova secção, a do livro do mês. Aqui serão apresentados livros, preferencialmente, de ensaios científicos, sociais, filosóficos, esperando que motivem os nossos "bloggers" a descobri-los.
     

Sinopse

     Com a clareza e elegância que o caracterizam, A. C. Grayling conduz o leitor a partir das cosmovisões anteriores à era de Buda, Confúcio e Sócrates até ao Cristianismo, que toma a mente europeia, do Renascimento e Iluminismo a Mill, Nietzsche, Sartre e, finalmente, à filosofia de hoje. Reunindo esses muitos fios, que muitas vezes correm em paralelo, o autor examina em conjunto as grandes tradições filosóficas da Índia, China e do mundo persa-árabe.
     Acessível a estudantes e reveladora para entusiastas da filosofia, a narrativa de A. C. Grayling traz à luz o trabalho de figuras históricas e pensadores menos conhecidos, mas influentes, estabelecendo pontes entre epistemologia, metafísica, ética, estética, lógica, filosofia da mente, filosofia da linguagem, filosofia política e a história dos debates nessas áreas de investigação. Dramatiza ainda o intercâmbio entre cada uma destas eras e épocas, tornando emocionante a incrível dança o pensamento humano. E questiona não só o que aprendemos, mas também que progresso estão ainda por fazer. 

Sobre a autor:



O Professor A. C. Grayling (n. 1949) é Master na New College of the Humanities e Supernumerary Fellow da St. Anne's College, Oxford. Escreveu e editou cerca de trinta livros sobre filosofia, história, ciência e atualidade. Durante vários anos escreveu colunas para os jornais The Guardian e The Times e foi chairman do Prémio Man Booker 2014. 

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