Outubro 2023

 

                                                                                        



Ciência Na Frente

Do Infinitamente Pequeno ao Infinitamente Grande

Outubro de 2023













A realidade objetiva está em risco?



O problema de medição na mecânica quântica tem atormentado os investigadores desde o nascimento desta teoria quase centenária. A sua resolução exigiria o abandono de alguns dos princípios mais fundamentais da física. O suficiente para derrubar a nossa visão do mundo.


    Imagine que um físico observa um sistema quântico cujo comportamento é semelhante ao de uma moeda: o resultado da medição é "cara" ou "coroa". Mas se obtiver "cara", pode ter a certeza de que o seu resultado é um facto objetivo, absoluto e indiscutível? Se a moeda fosse simplesmente do tipo das que vemos na nossa experiência quotidiana, o resultado do arremesso seria o mesmo para todos: cara! Mas para uma moeda quântica, a resposta não é tão simples. De facto, existem cenários, teoricamente plausíveis, em que um outro observador preveria que o resultado do lançamento da moeda do nosso físico seria coroa.

     No centro desta estranheza está o famoso "problema de medição". A teoria quântica padrão é muito eficaz para calcular previsões sobre os resultados de observações de um sistema. Mas não nos diz concretamente o que acontece durante a medição. Esta falta de uma descrição precisa, levanta numerosas questões que são reagrupadas sob o nome de o problema de medição.

     Os físicos propuseram várias interpretações da mecânica quântica que tentam responder a diferentes facetas deste enigma. Estão entre elas toda uma classe de interpretações da teoria padrão que levam à conclusão de que as previsões das medidas podem ser subjetivas, dependentes do observador. «Um dos principais aspetos do problema da medição é a ideia de que os eventos observados não são absolutos», diz Nicholas Ormrod, da Universidade de Oxford, no Reino Unido. É por isso que as previsões da nossa experiência da cara ou coroa quântica seria coroa para um observador e cara para outro.

     Mas este cenário problemático é fisicamente plausível ou é o resultado da nossa compreensão incompleta do mundo quântico? Para responder a esta pergunta, é necessário analisar com mais profundidade as teorias em que o problema de medição pode surgir. Foi o que fizeram Nicholas Ormrod, Vilasini Venkatesh, do Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique, e Jonathan Barrett, da Universidade de Oxford. Num estudo recente, o trio demostrou um teorema muito geral que mostra por que é que teorias como a mecânica quântica padrão, inevitavelmente, têm um problema de medição e como seria possível construir outras teorias para o evitar. Este teorema descreveria assim uma realidade objetiva.

Mas este trabalho também chama a atenção que para se garantir a objetividade, ter-se-ia um custo que muitos especialistas considerariam proibitivo. «Não há solução indolor para este problema», diz Nicholas Ormrod. Se quisermos conservar o caráter absoluto dos eventos observados, teremos que renunciar a certos princípios físicos que são realmente muito importantes para nós

Pato ou coelho? Este famoso desenho é deliberadamente ambíguo. A mecânica quântica apresenta um problema muito mais fundamental. Mesmo que as regras da teoria sejam rigorosamente seguidas, dois físicos podem prever resultados contraditórios para a mesma medição. Devemos então abandonar a noção de objetividade para a mecânica quântica?

     Os três investigadores «abordam a questão de saber que categorias das teorias são incompatíveis com o absoluto de acontecimentos observados e se o caráter absoluto pode ser mantido nalgumas teorias, ao mesmo tempo com outras propriedades desejáveis», diz Eric Cavalcanti, da Universidade Griffith, na Austrália. Este último, juntamente com o seu colega Howard Wiseman e outros, definiu o termo «absoluto dos acontecimentos observados» em trabalhos anteriores e que lançaram as bases para os estudos de Nicholas Ormrod e dos seus parceiros.

     Mas o facto de se querer, a todo custo, preservar o absoluto dos acontecimentos observados na teoria não é isento de consequências: o mundo quântico torna-se ainda mais estranho do que aquilo a que estamos habituados!

O cerne do problema

     Para compreender o que Nicholas Ormrod e os seus os colegas conseguiram como resultado, é preciso fazer um curso acelerado sobre os mistérios dos fundamentos quânticos. Comecemos por considerar o nosso hipotético sistema quântico, que, quando o observamos, pode resultar em cara ou coroa ao mesmo tempo.

     Nos manuais da teoria quântica, antes da medição, diz-se que o sistema está numa superposição de todos os estados possíveis («cara» e «coroa» para a nossa moeda). Essa situação é descrita pela função de onda, um objeto matemático que evolui no tempo e no espaço. A evolução da função de onda é ao mesmo tempo determinística e reversível: dadas as condições iniciais da função de onda, podemos prever o que ela será num momento no futuro ou remontar na evolução para determinar o seu estado no passado. No entanto, este comportamento só é válido se o sistema não for observado. Uma medição realizada no sistema leva imediatamente a uma rutura. A função de onda «colapsa», matematicamente falando, reduzindo-se a um único estado (ou «cara» ou «coroa»).

     Este processo de colapso é a fonte de todos os problemas de medição: é uma questão irreversível e única, e ninguém sabe sequer o que define o processo ou os limites de medição. O que é uma «medida» ou, neste caso, um «observador»? Estes dois elementos têm restrições físicas, como tamanhos mínimos ou máximos? Estão sujeitos aos mesmos efeitos quânticos que o sistema observado ou são considerados imunes a tais complicações? Nenhuma destas perguntas tem uma resposta simples para a qual haja um consenso. Mas para os teóricos não faltam soluções.

     Por exemplo, a teoria de Ghirardi-Rimini-Weber (GRW) é construída de forma a causar o colapso espontâneo da função de onda. E quanto maior o sistema, maior a probabilidade de colapso. A consequência é que o processo é completamente independente do observador. Qualquer que seja o resultado – cara ou coroa – será válido para todos os observadores. Esta teoria, portanto, preserva o absoluto do evento observado. Mas a teoria GRW, que pertence a uma categoria mais ampla de teorias de «colapso espontâneo», parece contrariar um princípio físico há muito aceite: a retenção de informação.

     A analogia clássica é a do livro que é queimado. Já que, em teoria, é possível reconstruir as páginas a partir das cinzas, a informação não se perde (na prática seria preciso um poder computacional gigantesco que torna este feito inatingível). Um dos princípios centrais da mecânica quântica é que qualquer processo que atue na evolução de um sistema quântico retém informações e, portanto, é possível conhecer os seus estados anteriores. Isso parece contradizer o que acontece durante o colapso da função de onda. No entanto, do ponto de vista de um observador «externo», as medições de um observador «interno» nesse processo são apenas interações entre objetos quânticos e que são descritos por evoluções determinísticas e reversíveis.

     Mas ao postular um colapso aleatório, a teoria GRW destrói a possibilidade de saber o que levou ao estado de colapso – o que, segundo quase todos os investigadores, significa que as informações sobre o sistema antes da sua transformação são irremediavelmente perdidas. «A teoria GRW renunciaria à conservação de informação, mas garantiria assim o absoluto dos acontecimentos», diz o físico Vilasini Venkatesh.

     No caso dos «mundos múltiplos», uma interpretação da mecânica quântica proposta por Hugh Everett em 1957, a situação é diferente. A função de onda nunca entra em colapso nessa abordagem. Qualquer estado observável durante uma medição leva a um desdobramento em múltiplas realidades que coexistem, de modo que num «mundo» o sistema dará coroa, enquanto no outro, o resultado será cara. «Portanto, a questão de saber o que está a acontecer não é absoluta; ela é relativa a um mundo", diz Nicholas Ormrod. É claro que, ao tentar evitar o problema de medição induzido pelo colapso, a interpretação de múltiplos mundos introduz uma proliferação descontrolada de mundos, em cada bifurcação da estrada quântica – um cenário inaceitável para muitos.

Aspetos cruciais da realidade

     Porque é que uma teoria tem um problema de medição e põe em causa o caráter absoluto dos eventos observados, enquanto outra garante a objetividade da realidade? Para o saber, os três investigadores concentraram-se em teorias, a que eles chamam de perspetivistas, ou seja, capazes de admitir um problema de medição. Identificaram três propriedades importantes em todas essas teorias. A sua ideia era mostrar que qualquer teoria que exiba essas três propriedades tem necessariamente um problema de medição. Mas quais são estas três propriedades?

     A primeira propriedade diz respeito à não-localidade de Bell (B). Foi identificada pela primeira vez em 1964 pelo físico John Bell num teorema com o seu nome. Desde então, graças a várias experiências, os especialistas demonstraram que ela é inerente ao nosso mundo físico. Para entender o que é, imagine uma situação em que duas pessoas, Alice e Bob, compartilham um par de partículas que são descritas por um único estado. Alice e Bob fazem, cada um, uma medição da sua partícula, e repetem essa operação com um grande número de pares de partículas. Um aspeto importante é que a Alice escolhe o seu tipo de medida (por exemplo, a orientação do instrumento se for para medir a polarização de um fotão) livremente e sem combinar com o Bob. Esta hipótese é importante porque, quando Alice e Bob comparam os seus dados, eles descobrem que as propriedades das suas partículas estão tão fortemente correlacionadas que os seus estados não podem ser descritos separadamente: quando o estado de uma partícula (a da Alice) é conhecido, o estado da outra (a do Bob) é instantaneamente definido. Diz-se que as partículas estão intrincadas. No seu teorema, John Bell enunciou uma desigualdade verificada pelas correlações para qualquer teoria dita «local». Aqui as correlações violam esta desigualdade. As teorias que explicam essas violações das desigualdades de Bell (este é o caso da mecânica quântica padrão) são chamadas de «não-locais» de Bell.

     A segunda propriedade é a conservação da informação (I). Os sistemas quânticos que apresentam uma evolução determinística e reversível satisfazem esta condição. No contexto de uma teoria perspetivista, esta condição indica que a informação não foi perdida durante uma medição, pelo menos do ponto de vista de um observador «exterior» à medição efetuada por um observador «interior».

     Finalmente, a terceira propriedade é a dinâmica local (L). Consideremos dois acontecimentos em duas regiões do espaço-tempo. A dinâmica local implica que, se há um quadro de referência em que os dois acontecimentos são simultâneos, a transformação de um sistema localizado numa região não pode afetar causalmente a transformação de um sistema localizado noutra região, de acordo com a relatividade restrita, que afirma que nenhuma informação pode andar mais depressa do que a velocidade da luz. Para além disso, a dinâmica local também assume que a transformação do sistema completo pode ser decomposto em transformações das suas partes individuais: a dinâmica é dita «separável». «A restrição da dinâmica local permite garantir que não somos capazes de simular a não-localidade de Bell», explica Vilasini Venkatesh.

     Com estas três propriedades, vemos que há ao mesmo tempo um critério de localidade (L), que recai sobre a dinâmica (a transformação de estados iniciais em estados finais), e de não-localidade (B), que recai sobre estados não separáveis. Isto sugere que o problema de medição da teoria quântica padrão está intimamente relacionado com o facto dela apresentar uma inteligente dosagem de suficiente não-localidade para violar as desigualdades de Bell, mas não excessivamente, o que a faria entrar em conflito com a relatividade restrita. A intricação quântica entre as partículas distantes não pode ser usada para transmitir informação, o que violaria as leis da relatividade.

     Agora todos os elementos estão no sítio para entendermos o teorema do trio de investigadores. A sua demonstração passa por uma análise detalhada de como as teorias «BIL» (aquelas que satisfazem as três propriedades mencionadas acima) usando uma experiência mental. Vamos imaginar que a Alice e o Bob, cada no seu próprio laboratório, realizem a mesma medição em partículas saídas de um par intrincado. Por exemplo, ambos medem o spin da sua partícula na direção ascendente-descendente.

     Charlie e Daniela estão fora dos laboratórios de Alice e Bob. Em princípio, como eles não estão envolvidos nas medições de Alice e Bob e a informação está  conservada, eles são capazes de medir o spin das mesmas partículas.

     Tomemos como exemplo específico o que aconteceria na teoria quântica padrão. Charlie, por exemplo, vê Alice, o seu laboratório e a sua partícula como um sistema sujeito a interações entre objetos quânticos cuja evolução é determinista e reversível. Supondo que ele controla totalmente o sistema como um todo, Charlie pode reverter o processo para que a partícula retorne ao seu estado original (como um livro queimado que é reconstruído a partir de suas cinzas). A Daniela faz o mesmo com a partícula do Bob. Charlie e Daniela fazem agora uma medição da rotação das suas respectivas partículas, mas na direção esquerda-direita.

     Usando este cenário, a equipa considerou as probabilidades de certas medições no quadro de referência onde a Alice e o Bob fazem as suas observações simultaneamente, mas também o quadro de referência onde a simultaneidade de eventos diz respeito a Alice e a Daniela, ou aquele em que o Bob e o Charlie medem os spins ao mesmo tempo. Os investigadores provaram então que, para qualquer teoria BIL, as previsões sobre os resultados das medições dos quatro observadores contradizem a natureza absoluta dos eventos observados. Por outras palavras, «todas as teorias BIL têm um problema de medição», diz Nicholas Ormrod.

A peste ou a cólera?

     Os físicos encontram-se, portanto, numa situação desagradável: ou aceitam a natureza não absoluta dos eventos observados e o facto de que não há uma realidade objetiva, ou renunciam a uma das hipóteses da teoria BIL.

      Vilasini Venkatesh observa que pode haver argumentos convincentes para abandonar uma realidade objetiva. Afinal, diz ela, a física conseguiu passar de uma estrutura newtoniana rígida para uma descrição einsteiniana do mundo, mais matizada e fluida. «Para Newton, o espaço e o tempo eram absolutos», explica ela, «pelo contrário, no quadro estabelecido por Albert Einstein, espaço e tempo são um só, e esse espaço-tempo único não é algo absoluto, mas é distorcido de uma maneira que não corresponde ao modo newtoniano de pensar

     Mas esta via não está isenta de problemas. A perda da natureza absoluta não leva a absurdos do tipo «0 = 1», mas requer a definição de um contexto para descrever os resultados. Se um observador «externo» obtém um resultado, pode comunicá-lo a outros observadores externos sem qualquer problema de consistência. Por outro lado, se tentarmos fazer comparações entre cenários no contexto de um observador «externo» e de um observador «interno», teremos paradoxos.

     Se queremos salvar o carácter absoluto dos acontecimentos observados, é necessário fazer um compromisso. Qual das três propriedades BIL deve ser abandonada? A priori, não será nem a não-localidade de Bell, nem a conservação de informação: a primeira assenta nos resultados de experiências sólidas sobre o intrincamento de partículas  e cujos resultados não podem ser explicados sem a não-localidade de Bell. A segunda é considerada um elemento importante de qualquer teoria que descreva o mundo real. A dinâmica local poderia ser a hipótese a ser revista. Esta apoia-se em três componentes e um deles poderia ser questionado, em particular a separabilidade dinâmica.

     A separabilidade dinâmica é «uma espécie de hipótese reducionista, diz Nicholas Ormrod. Permite explicar coisas grandes em termos de pequenos pedaços

     Manter o caráter absoluto dos eventos observados implicaria que tal reducionismo não se sustentava. Tal como um estado de Bell não local não pode ser reduzido aos estados de seus elementos constitutivos, a dinâmica de um sistema seria também holística, adicionando outro tipo de não-localidade ao Universo? É importante notar que esta conclusão não coloca a teoria em desacordo com as teorias da relatividade de Einstein. Há muitas maneiras de alcançar a não-localidade de Bell e elas não necessitam de influências causais, como andar mais depressa do que a luz, mas simplesmente de estados não separáveis.

     «A lição do teorema de Bell é que estados de partículas afastadas estão inextricavelmente ligados, e a lição deste novo teorema seria que a sua dinâmica também o está», concluem os três físicos.

    «Gosto muito da ideia de rejeitar a separabilidade dinâmica, porque se funcionar, então... vamos ter tudo», diz Nicholas Ormrod. Preservamos assim o que pensamos ser as coisas mais fundamentais para uma teoria do mundo: a teoria da relatividade, a preservação de informação e o absoluto dos eventos observados.»

     Jeffrey Bub, filósofo da física e professor emérito da Universidade de Maryland, está disposto a aceitar alguns compromissos se isso lhe permitir viver num universo objetivo. «Na minha opinião, o absoluto dos eventos observados é indispensável», diz ele, «e parece difícil abandoná-lo apenas por causa do problema de medição na mecânica quântica. Pelo menos temporariamente, eu concordaria com estes três investigadores quanto à não-separabilidade dinâmica ser a opção menos desagradável

     O problema é que ainda ninguém sabe como construir uma teoria que rejeite a separabilidade dinâmica – supondo que seja possível fazê-lo – mantendo outras propriedades, como a preservação de informação e a não-localidade de Bell.

Uma não-localidade mais profunda

     Howard Wiseman, da Universidade Griffith, Austrália, que é considerado uma figura incontornável nestas reflexões teóricas sobre os fundamentos da mecânica quântica, aprecia o esforço de Nicholas Ormrod, Vilasini Venkatesh e Jonathan Barrett para provar um teorema que se aplica à mecânica quântica sem lhe ser específico. «É bom que eles estejam indo nessa direção», diz, «podemos dizer coisas mais gerais sem nos referirmos à mecânica quântica».

     Realça que a experiência mental utilizada na análise não pede que a Alice, o Bob, o Charlie e a Daniela façam escolhas – eles fazem sempre  as mesmas medições. Portanto, os pressupostos invocados para provar o teorema não incluem explicitamente uma hipótese sobre a livre escolha, porque ninguém exerce tal escolha. Normalmente, quanto menos hipóteses, mais fortes são as evidências, mas isso pode não ser o caso aqui, diz Howard Wiseman. De facto, a primeira hipótese, segundo a qual a teoria deve ter em conta a não-localidade de Bell, exige que os agentes tenham livre escolha. Qualquer teste empírico da não-localidade de Bell implica que a Alice e o Bob escolham voluntariamente os tipos de medições que fazem. Portanto, se uma teoria é não-local, no sentido de Bell, ela reconhece implicitamente a livre escolha dos investigadores. «O que suspeito é que eles introduzam sub-repticiamente uma hipótese de livre escolha», diz o especialista. Isso não quer dizer que a prova seja mais fraca. Pelo contrário, teria sido mais forte se não tivesse exigido a hipótese da livre escolha. Neste caso, a livre escolha continua a ser um requisito inevitável.

     Nestas condições, se o teorema estiver correto, a consequência mais surpreendente seria que o universo é não-local de uma maneira inteiramente nova. Se assim fosse, essa não-localidade seria igual ou maior que a de Bell, cuja compreensão abriu caminho para as comunicações e criptografia quânticas. Ninguém sabe o que um novo tipo de não-localidade – sugerido pela não-separabilidade dinâmica – significaria para a nossa compreensão do Universo.

     Em última análise, apenas as experiências permitirão desenhar a teoria que resolverá a questão de medição. Até lá, os físicos quânticos não têm escolha a não ser prepararem-se para todas as eventualidades. «Independentemente da opinião pessoal sobre a melhor teoria, todos os caminhos devem ser explorados», conclui Vilasini Venkatesh. Com as experiências que podemos fazer, tudo isto pode ir para um lado ou para o outro


Anil Ananthaswamy 
(adaptado)


Janus, a estrela com duas faces


Uma estrela incrível que tem um lado rico em hidrogénio, enquanto o outro lado é dominado pelo hélio. O seu campo magnético pode ser a chave para o enigma.

     Não é sem razão que a estrela ZTF J1901 + 1458 é apelidada de Janus. Ilaria Caiazzo, do Instituto de Tecnologia da Califórnia e os seus colegas, descobriram este astro único dentro do seu género enquanto rastreavam anãs brancas com fortes campos magnéticos. «Graças à missão Gaia da Agência Espacial Europeia, conhecemos 350 mil anãs brancas», diz Pier-Emmanuel Tremblay, da Universidade de Warwick, no Reino Unido. Mas Janus destaca-se  pela sua luminosidade que varia periodicamente e regularmente, enquanto gira sobre si mesma em quinze minutos. Após análises, verificou-se que esta variação se deve ao facto de um lado da estrela ser rico em hidrogénio, enquanto o outro lado é dominado por hélio. Como explicar uma estrutura tão surpreendente? «Estas observações sugerem que um mecanismo muito finamente regulado é capaz de separar átomos de hidrogénio e de hélio, em função da sua massa ou da sua carga elétrica», diz o astrofísico.

     A equipa de astrofísicos apresentou dois cenários possíveis. A primeira pista recai sobre um episódio raro da evolução das anãs brancas. Estes astros são os restos de estrelas de poucas massas solares, que, no final das suas vidas, incham primeiro como uma gigante vermelha. A seguir, sopram grande parte da sua matéria para o meio circundante, antes de arrefecerem e se contraírem num pequeno objeto, normalmente do tamanho da Terra, mas com uma massa próxima à do Sol. São, portanto, muito densas (cerca de uma tonelada por centímetro cúbico) e a sua temperatura diminui lentamente.

     A composição química das anãs brancas depende principalmente da massa da sua estrela progenitora e das reações de fusão termonuclear que aí ocorreram. Para as mais leves, são encontrados hidrogénio e grandes quantidades de hélio. Para as mais maciças, deteta-se carbono, oxigénio, etc. Quando a anã branca se forma, os elementos mais pesados tendem a acumular-se no centro do astro. Mas à medida que este arrefece (e passa abaixo de um limiar de cerca de 30.000 kelvins), a parte de hélio aumenta na atmosfera da anã branca por causa de fenómenos de convecção dentro da estrela.

     Janus poderá ter sido observada neste momento específico em que a transição está a decorrer e o hélio começa a dominar fortemente as camadas superiores. De facto, a temperatura da superfície medida pelos investigadores é de cerca de 35.000 kelvins, ou seja, perto do limite. Mas porque é que a ascensão do hélio começou apenas de um lado e não de forma mais homogénea? Ilaria Caiazzo e os  seus colegas sugerem que a causa deve ser o seu forte campo magnético. Se esse campo for mais intenso de um lado, pode retardar os processos de mistura.

     Outro caminho é o campo magnético influenciar a pressão e a densidade do gás na atmosfera da estrela. Onde o campo será mais forte, as condições serão mais favoráveis para a formação de um «oceano» de hidrogénio.

      A origem do campo magnético de Janus é em si mesma um enigma. «Por enquanto, apenas temos hipóteses e nenhuma resposta definitiva», observa Pier-Emmanuel Tremblay. É possível que o campo magnético surja  de forma heterogénea na superfície, mas poderá ser mais homogéneo no interior. Para Janus, que poderia ser o produto da fusão de duas estrelas (cenário sugerido pelo curto período de rotação e pelo forte campo magnético), é possível que esse acontecimento catastrófico e assimétrico tenha criado um campo heterogéneo.»

     Resta separar todas as hipóteses. Para o fazer, os investigadores continuam a procurar outras anãs brancas, do tipo de Janus, com o instrumento ZTF (Zwicky Transient Facility) no Observatório Mount Palomar, perto de San Diego, que varre o céu todas as noites. Um grande reforço deverá surgir com a entrada em funcionamento do observatório Vera-Rubin, no Chile, previsto para 2024. Será então muito mais fácil desmascarar estas estrelas variáveis, bastante surpreendentes.

Fonte: Pour la Scince, Janus, l’étoile aux deux faces | Pour la Science - setembro 2023

Sean Bailly
(adaptado)


Breves 2023




Pela primeira vez uma pessoa paraplégica conseguiu pilotar o seu andamento através do pensamento. Uma proeza conseguida por um interface entre o cérebro e a espinhal-medula. 


O gelo de verão do mar do Ártico poderá desaparecer em menos de uma década, ou seja, dez anos do que as previsões do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas, com base nas simulações baseadas nos dados de 1979 a 2019. Isto poderá acontecer mesmo num cenário de baixas emissões de carbono.



Graças a uma jazido excecionalmente bem fornecida de fémures de uma mesma espécie de dinossauros, em Charente, França, os arqueólogos conseguiram descobrir, pela primeira vez, um dimorfismo sexual entre os machos e as fêmeas.  



O que posso observar no céu de Outubro?



02 - Lua a 3ºN de Júpiter - 02:08
05 - Auge da chuva de meteoros camelopardalids de outubro 
09 - Auge da chuva de meteoros dracónidas de outubro 
10 - Lua no apogeu a 403 631 Km da Terra - 04:41
11 - Auge da chuva de meteoros delta-aurigídeos de outubro
18 - Auge da chuva de meteoros epsilon-geminídeos
22 - Auge da chuva de meteoros oriónidas
24 - Auge da chuva de meteoros leo minorídeos
26 - Lua no perigeu a 363 746 Km da Terra  - 03:53
28 - Eclipse lunar parcial. Começa às 19:01 e termina às 23:26
29 - Lua a 1ºN de Júpiter - 01:00
 





Fases da Lua em outubro


                14 - às 18h 55 min - nova

                22 - às 04h 29min - crescente

                28 - às 21h 24min - cheia
       
                06 - às 14h 48min - minguante
                
                









Planetas visíveis a olho nu em outubro


MERCÚRIO  Pode ser visto no início do crepúsculo matutino, do dia 1 ao dia 5 deste mês a partir das 6 horas da manhã.

VÉNUS - Pode ser visto de madrugada a partir das quatro da manhã durante todo o mês
. É um dos astros mais brilhantes do céu noturno.

MARTE Neste mês continua a não ser  visível por se encontrar muito próximo do Sol. 

JÚPITER Pode ser visto toda a noite durante este mês, a partir das vinte horas e quarenta e cinco minutos, indo gradualmente nascendo mais cedo, começando a nascer uma hora antes no mês do mês.

SATURNO Pode ser visto durante toda a noite, indo gradualmente nascendo mais cedo até ao fim deste mês.
 
Fonte: APP Sky Tonight




(para localizações aproximadas de 41.1756ºN, 8.5493ºW)
    

DataMagnitudeInícioPonto mais altoFimTipo da passagem
(mag)HoraAlt.Az.HoraAlt.Az.HoraAlt.Az.
1-10-3,019:51:4310°NO19:54:5237°NNE19:57:4312°Evisível
1-10-1,621:28:3810°ONO21:30:4024°OSO21:30:4024°OSOvisível
2-10-3,120:40:2010°ONO20:43:3449°SO20:44:4731°SSEvisível
3-10-3,819:52:0810°NO19:55:3087°SO19:58:4910°SEvisível
4-10-1,120:41:3110°O20:43:4717°SO20:46:0310°Svisível
5-10-1,919:52:4710°ONO19:55:4429°SO19:58:4110°SSEvisível
7-10-0,419:55:0210°OSO19:55:3610°SO19:56:1110°SOvisível
  
 

Como usar esta grelha:

Coluna Data - data da passagem da Estação;
Coluna Brilho/Luminosidade (magnitude) - Luminosidade da Estação (quanto mais negativo for o número maior é o brilho);
Coluna Hora - hora de início, do ponto mais alto e do fim da passagem;
Coluna Altitude - altitude medida em graus tendo o horizonte como ponto de partida 0º;
Coluna Azimute - a direção da Estação tendo o Norte geográfico como ponto de partida.

Fonte: http://www.heavens-above.com/



Vídeo do Mês




A solução para o problema de medição em física quântica - parte I

(Quando necessário, para ativar as legendas automáticas proceder do seguinte modo: no canto inferior direito clicar no símbolo "roda dentada"; abrem-se as Definições; clicar aí e escolher Legendas; depois clicar em Traduzir Automaticamente; finalmente escolher Português na lista.)


Imagem do Mês




HH 211: Jatos de uma estrela em formação

      As estrelas criam sempre jatos à medida que se vão formando? Ninguém tem certeza disso. À medida que uma nuvem de gás se vai contraindo devido à gravidade, vai formando um disco que pode rodar tão rápido que não permite a continuar contrair-se numa protoestrela. Os astrónomos levantam a hipótese de que esta rotação pode ser reduzida pela expulsão de jatos. Esta especulação coincide com os objetos conhecidos como Herbig-Haro (HH), jovens estrelas que parecem emitir jatos - às vezes de forma espetacular. Nesta foto está o Herbig-Haro 211, uma jovem estrela em formação, recentemente fotografada pelo Telescópio Espacial Webb (JWST), em luz infravermelha e em grande detalhe. Junto com os dois feixes estreitos de partículas, as ondas de choque vermelhas podem ser vistas como os fluxos do impacto de saída do gás interestelar existente. Os jatos da HH 221 irão provavelmente mudam de forma à medida que brilham e irão desaparecer nos próximos 100.000 anos, à medida que a investigação sobre os detalhes da formação estelar continua.
Fonte: www.nasa.gov



Livro do Mês


Sinopse

Quais são os ingredientes elementares do mundo? O tempo e o espaço existem? E o que é exatamente a realidade? O físico teórico Carlo Rovelli tem passado a vida a explorar estas questões e, neste livro fascinante, conta como a nossa compreensão da realidade mudou ao longo dos séculos e como os físicos encaram a estrutura do Universo nos dias de hoje.
Com uma prosa elegante e acessível, Rovelli conduz o leitor ao longo de uma extraordinária viagem, de Demócrito a Einstein, de Michael Faraday às ondas gravitacionais e da física clássica ao seu próprio trabalho em gravidade quântica.

Em A Realidade Não É o que Parece, percebemos de que forma a ideia de realidade evoluiu ao longo do tempo, mas este notável livro convida-nos também a imaginarmos um mundo maravilhoso, no qual o espaço se fragmenta em minúsculos grãos, o tempo desaparece nas menores escalas e os buracos negros esperam para explodir - um vasto Universo ainda em grande parte por descobrir.
A obra fundamental de Rovelli sobre tempo, espaço e matéria.

Sobre o autor:




   Carlo Rovelli é físico teórico e membro do Instituto Universitário de França e da Academia Internacional de Filosofia das Ciências. Com vários livros publicados na área, Rovelli é, atualmente, responsável pelo Departamento de Física Teórica da Universidade de Aix-Marseille. Sete breves lições de Física trouxe-lhe a merecida admiração de curiosos e académicos e tornou-se um inesperado fenómeno de vendas em Itália, contando já com mais de 300 000 exemplares vendidos.

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